sábado, 10 de setembro de 2011

O meio

O romance O Mulato se abre com a descrição nada elogiosa da cidade de São Luís do Maranhão:
 
    “Era um dia abafadiço e aborrecido. A pobre cidade de São Luís do Maranhão parecia entorpecida pelo calor. Quase que se não podia sair à rua: as pedras escaldavam; as vidraças e os lampiões faiscavam ao sol como enormes diamantes; as paredes tinham reverberações de prata polida; as folhas das árvores nem se mexiam; as carroças de água passavam ruidosamente a todo o instante, abalando os prédios; e os aguadeiros, em mangas de camisa e pernas arregaçadas, invadiam sem cerimônia as casas para encher as banheiras e os potes. Em certos pontos não se encontrava viva alma na rua; tudo estava concentrado, adormecido; só os pretos faziam as compras para o jantar ou andavam no ganho.”
 
    É nessa atmosfera abafada, tanto do ponto de vista climático quanto do convívio social, que são apresentadas as personagens. Até os cães se envolvem no ambiente de letargia preguiçosa: “Os cães, estendidos pelas calçadas, tinham uivos que pareciam gemidos humanos, movimentos irascíveis, mordiam o ar querendo morder os mosquitos.” O mal cheiro domina o ambiente: “Às esquinas, nas quitandas vazias, fermentava um cheiro acre de sabão da terra e aguardente.” A grosseria do ambiente envolve as ações das personagens: “O quitandeiro, assentado sobre o balcão, cochilava a sua preguiça morrinhenta, acariciando o seu imenso e espalmado pé descalço (…) as peixeiras, quase todas negras, muito gordas, o tabuleiro na cabeça, rebolando os grossos quadris trêmulos e as tetas opulentas.”
     Note-se que, se os cães “tinham uivos que pareciam gemidos humanos”, as peixeiras, animalizadas,  têm “tetas opulentas”. Homens e animais se misturam, portanto, no universo bestializado e asfixiante de São Luís do Maranhão. 
 
 

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