sábado, 10 de setembro de 2011
Introdução
Com a publicação de O Mulato, em 1881, Aluísio Azevedo introduz o Naturalismo na literatura brasileira e faz uma crítica anticlerical e anti-racista da sociedade provinciana do Maranhão.
No mesmo ano em que Machado de Assis inaugurava, com Memórias Póstumas de Brás Cubas, o Realismo nas letras brasileiras, Aluísio Azevedo publicava O Mulato, obra inaugural do Realismo-naturalismo no país. Em seu segundo romance, o escritor maranhense realiza uma impiedosa crítica social através da sátira dos personagens típicos de São Luís. Os comerciantes grosseiros, as senhoras de escravos sádicas, as velhas beatas e fofoqueiras e o padre sedutor, maquiavélico e assassino são apenas alguns exemplares de uma sociedade apodrecida e racista. Ao se inspirar em pessoas de São Luís que de fato conhecia, Azevedo despertou a ira da sociedade maranhense e, embora louvado por críticos do Rio de Janeiro, teve que sair da sua cidade natal temendo maiores represálias.
No anticlericalismo evidente da obra, há ecos do Crime do Padre Amaro (1875) de Eça de Queirós, até então o maior expoente do Naturalismo na língua portuguesa.
No entanto, a obra ainda apresenta alguns resíduos românticos. Aluísio Azevedo, na reta final da campanha abolicionista, idealiza a figura do mulato Raimundo, que pouco retém, na pele, das suas origens negras – “grandes olhos azuis, cabelos pretos e lustrosos, tez morena e amulatada, mas fina" – e é moralmente impecável. A trama central repete o estereótipo romântico do amor que luta contra o preconceito e as proibições familiares.
No mesmo ano em que Machado de Assis inaugurava, com Memórias Póstumas de Brás Cubas, o Realismo nas letras brasileiras, Aluísio Azevedo publicava O Mulato, obra inaugural do Realismo-naturalismo no país. Em seu segundo romance, o escritor maranhense realiza uma impiedosa crítica social através da sátira dos personagens típicos de São Luís. Os comerciantes grosseiros, as senhoras de escravos sádicas, as velhas beatas e fofoqueiras e o padre sedutor, maquiavélico e assassino são apenas alguns exemplares de uma sociedade apodrecida e racista. Ao se inspirar em pessoas de São Luís que de fato conhecia, Azevedo despertou a ira da sociedade maranhense e, embora louvado por críticos do Rio de Janeiro, teve que sair da sua cidade natal temendo maiores represálias.
No anticlericalismo evidente da obra, há ecos do Crime do Padre Amaro (1875) de Eça de Queirós, até então o maior expoente do Naturalismo na língua portuguesa.
No entanto, a obra ainda apresenta alguns resíduos românticos. Aluísio Azevedo, na reta final da campanha abolicionista, idealiza a figura do mulato Raimundo, que pouco retém, na pele, das suas origens negras – “grandes olhos azuis, cabelos pretos e lustrosos, tez morena e amulatada, mas fina" – e é moralmente impecável. A trama central repete o estereótipo romântico do amor que luta contra o preconceito e as proibições familiares.
Trama
O romance nos fornece uma boa visão do meio maranhense da época. Raimundo é mulato, mas ignora a própria cor e a sua condição de filho de escravo. Sendo doutor, estudara na Europa, não consegue entender as reservas que lhe faz a alta sociedade de São Luís. O personagem é dotado de encantos e poder sedutor junto às mulheres; o que não deixa de, pela idealização, aproximá-lo das personagens românticas.
Aspectos relevantes ou caracteristicas literarias do romançe:
- É apontado como a obra inaugural do Naturalismo no Brasil (1881). Podem ser identificados alguns elementos naturalistas:
A CRÍTICA SOCIAL, através da sátira impiedosa dos tipos de São Luís: o comerciante rico e grosseiro, a velha beata e raivosa, o padre relaxado e assassino, e uma série de personagens que resvalam sempre para o imoral e para o grotesco. Já dissemos que esses tipos são, muitas vezes, pessoas que realmente viveram em São Luís, conhecidas pelo autor.
ANTICLERICALISMO, projetado na figura do padre e depois cônego Diogo, devasso, hipócrita e assassino.
OPOSIÇÃO AO PRECONCEITO RACIAL, que é o fulcro de toda a trama.
O ASPECTO SEXUAL, referido expressamente em relação à natureza carnal da paixão de Ana Rosa pelo mulato Raimundo.
O TRIUNFO DO MAL, já que, no desfecho, os crimes ficam impunes e os criminosos são gratificados: a heroína acaba se casando com o assassino de Raimundo (grande amor de sua vida), e o Pe. Diogo, responsável por dois crimes, é promovido a cônego.
Contudo, há fortes resíduos românticos:
Escrito em plena efervescência da Campanha Abolicionista, Aluísio Azevedo não manteve a postura neutra, imparcial, que caracteriza os autores realistas/naturalistas.
Ao contrário, ele toma partido do mulato, do homem de cor, idealizando exageradamente Raimundo, que mais parece o herói dos romances românticos (ingênuo, bondoso, ama platonicamente Ana Rosa e ignora a sua condição de homem de cor).
Observe que Raimundo é cientificamente inverossímel (filho de pai branco e mãe negra retinta, o filho tem "grandes olhos azuis, cabelos pretos e lustrosos, tez morena e amulatada, mas fina").
Ao contrário, ele toma partido do mulato, do homem de cor, idealizando exageradamente Raimundo, que mais parece o herói dos romances românticos (ingênuo, bondoso, ama platonicamente Ana Rosa e ignora a sua condição de homem de cor).
Observe que Raimundo é cientificamente inverossímel (filho de pai branco e mãe negra retinta, o filho tem "grandes olhos azuis, cabelos pretos e lustrosos, tez morena e amulatada, mas fina").
A trama da narração é romântica e desenvolve o velho chavão romântico da história de amor que as tradições e o preconceito impedem de se realizar. Além disso, a história é verdadeiramente rocambolesca (= complicada, "enrolada").
TEXTO I
Resumo da Obra o mulato
Saindo criança de São Luís para Lisboa, Raimundo viajava órfão de pai, um ex-comerciante português, e afastado da mãe, Domingas, uma ex-escrava do pai.
Depois de anos na Europa, Raimundo volta formado para o Brasil. Passa um ano no Rio e decide regressar a São Luís para rever seu tutor e tio, Manuel Pescada.
Bem recebido pela família do tio, Raimundo desperta logo as atenções de sua prima Ana Rosa que, em dado momento, lhe declara seu amor.
Essa paixão correspondida encontra, todavia, três obstáculos: o do pai, que queria a filha casada com um dos caixeiros da loja; o da avó Maria Bárbara, mulher racista e de maus bofes; o do Cônego Diogo, comensal da casa e adversário natural de Raimundo.
Todos três conheciam as origens negróides de Raimundo. E o Cônego Diogo era o mais empenhado em impedir a ligação, uma vez que fora responsável pela morte do pai do jovem.
Foi assim: depois que Raimundo nasceu, seu pai, José Pedro da Silva, casou-se com Quitéria Inocência de Freitas Santiago, mulher branca. Suspeitando da atenção particular que José Pedro dedicava ao pequeno Raimundo e à escrava Domingas, Quitéria ordena que açoitem a negra e lhe queimem as partes genitais.
Desesperado, José Pedro carrega o filho e leva-o para a casa do irmão, em São Luís. De volta à fazenda, imaginando Quitéria ainda refugiada na casa da mãe, José Pedro ouve vozes em seu quarto. Invadindo-o, o fazendeiro surpreende Quitéria e o então Padre Diogo em pleno adultério.
Desonrado, o pai de Raimundo mata Quitéria, tendo Diogo como testemunha. Graças à culpa do adultério e à culpa do homicídio, forma-se um pacto de cumplicidade entre ambos. Diante de mais essa desgraça, José Pedro abandona a fazenda, retira-se para a casa do irmão e adoece.
Algum tempo depois, já restabelecido, José Pedro resolve voltar à fazenda, mas, no meio do caminho, é tocaiado e morto. Por outro lado, devagarzinho, o Padre Diogo começara a insinuar-se também na casa de Manuel Pescada.
Desesperado, José Pedro carrega o filho e leva-o para a casa do irmão, em São Luís. De volta à fazenda, imaginando Quitéria ainda refugiada na casa da mãe, José Pedro ouve vozes em seu quarto. Invadindo-o, o fazendeiro surpreende Quitéria e o então Padre Diogo em pleno adultério.
Desonrado, o pai de Raimundo mata Quitéria, tendo Diogo como testemunha. Graças à culpa do adultério e à culpa do homicídio, forma-se um pacto de cumplicidade entre ambos. Diante de mais essa desgraça, José Pedro abandona a fazenda, retira-se para a casa do irmão e adoece.
Algum tempo depois, já restabelecido, José Pedro resolve voltar à fazenda, mas, no meio do caminho, é tocaiado e morto. Por outro lado, devagarzinho, o Padre Diogo começara a insinuar-se também na casa de Manuel Pescada.
Raimundo ignorava tudo isso.
Em São Luís, já adulto, sua preocupação básica é a de desvendar suas origens e, por isso, insiste com o tio em visitar a fazenda onde nascera. Durante o percurso a São Brás, Raimundo começa a descobrir os primeiros dados sobre suas origens e insiste com o tio para que lhe conceda a mão de Ana Rosa. Depois de várias recusas, Raimundo fica sabendo que o motivo da proibição devia-se à cor de sua pele.
De volta a São Luís, Raimundo muda-se da casa do tio, decide voltar para o Rio, confessa em carta a Ana Rosa seu amor, mas acaba não viajando.
Apesar das proibições, Ana Rosa e ele concertam um plano de fuga. No entanto, a carta principal fora interceptada por um cúmplice do Cônego Diogo, o caixeiro Dias, empregado de Manuel Pescada e forte pretendente, sempre repelido, à mão de Ana Rosa.
Na hora da fuga, os namorados são surpreendidos. Arma-se o escândalo, do qual o cônego é o grande regente. Raimundo retira-se desolado e, ao abrir a porta de casa, um tiro acerta-o pelas costas. Com uma arma que lhe emprestara o Cônego Diogo, o caixeiro Dias assassina o rival.
Ana Rosa aborta.
Entretanto, seis anos depois, vemo-la saindo de uma recepção oficial, de braço com o Sr. Dias e preocupada com os "três filhinhos que ficaram em casa, a dormir".
VIDA E OBRA de Aluisio trancedo Gonçalves de Azevedo (Aluisio de Azevedo)
“Um escravo da literatura”
Aluísio Tancredo Gonçalves Azevedo nasceu no dia 14 de abril de 1857, em São Luís do Maranhão. Sua mãe, dona Emília Amália Pinto de Magalhães, havia, corajosamente para a época, abandonado o primeiro marido, que a traía abertamente, e com quem fora obrigada a se casar aos 17 anos, por imposição familiar. Vivendo com o comerciante e representante consular português David Gonçalves de Azevedo, teve cinco filhos, dos quais Artur de Azevedo, o teatrólogo, foi o primeiro e Aluísio Azevedo, o segundo.
No século XIX, São Luís do Maranhão era um centro de convergência de capital e de mão-de-obra escrava, graças à economia do algodão. Tornou-se, assim, um pólo de prosperidade econômica e cultural. Porém, a cidade era bastante conservadora e dona Emília causou um grande escândalo por viver com o pai de Aluísio sem a aprovação da Igreja.
Desde criança,Aluísio Azevedo demonstrava habilidades artísticas, principalmente no desenho. Por isso, a família matriculou-o em um curso de artes plásticas. Animado pelo sucesso que seu irmão Artur Azevedo estava fazendo na corte, Aluísio, aos 19 anos, resolve ir para o Rio de Janeiro. A corte era, na época, o centro das idéias liberais e em todo lugar se discutiam o abolicionismo e a causa republicana. Durante dois anos, Aluísio foi caricaturista de jornais como O Mequetrefe, Fígaro e Zig-Zag. Suas charges já faziam bastante sucesso junto ao público quando foi obrigado a retornar para São Luís devido à morte do seu pai, em 1878.
Em São Luís, passa a produzir crônicas e comentários para a imprensa local e conclui um romance que iniciara no Rio de Janeiro, com o título de Uma Lágrima de Mulher. O livro foi escrito em um estilo romântico bastante piegas, no entanto muito elogiado por seus conterrâneos. Ajuda, também, a lançar um periódico anticlerical, O Pensador e entra em contato com as obras de Eça de Queirós: O Crime do Padre Amaro (1875) e O Primo Basílio (1878).
Mas não são suas charges, crônicas ou seu primeiro romance que vão produzir novo escândalo na cidade e lhe dar renome nacional, mas, sim, a publicação, em 1881, do romance O Mulato, baseado na vida e nos costumes da sociedade maranhense.
O Mulato, primeiro romance naturalista da Literatura brasileira, causou tanto furor que obrigou o autor a deixar São Luís e a se instalar novamente na corte. A indignação foi tanta que uma revista da época, porta-voz do clero conservador, mandou o escritor abandonar a Literatura e dedicar-se à agricultura: “À lavoura, meu estúpido! À lavoura! Precisamos de braços e não de prosas em romances! Isto sim é real. A agricultura felicita os indivíduos e enriquece os povos! à foice! e à enxada!”.
No entanto, no resto do país, a obra fez bastante sucesso e, com o dinheiro obtido com a venda de 2 mil exemplares do livro, Aluísio retornou ao Rio de Janeiro.
Na corte, graças à fama conquistada, Aluísio Azevedo passa a colaborar para os jornais, atividade que desenvolve intensamente por muito tempo. Mesmo reclamando de ser “um escravo das Letras”, pois o dinheiro que ganhava tanto com a Imprensa quanto com a Literatura dava apenas para “não morrer de fome”, Aluísio construiu, nesse período, uma sólida carreira literária, publicando obras importantes, como Casa de Pensão (1884) e O Cortiço (1890). Foi, assim, o primeiro escritor brasileiro a viver exclusivamente de seu ofício. Para isso, produziu romances de folhetim ao gosto romântico, obras que considerava “comerciais”, e romances naturalistas, obras que considerava “artísticas”.
Em 1896, tornou-se cônsul através de concurso e abandonou a vida de escritor. Na sua nova profissão, serviu em Vigo e Nápoles (Itália), depois no Japão e, finalmente, em Buenos Aires (Argentina), onde faleceu em 1913. Estava com 55 anos e morreu ao lado da amante Pastora Luquez, argentina com quem vivera seus últimos dez anos. Durante os dezoito anos de serviço diplomático, não mais escreveu ou publicou livro algum, nem gostava de que lhe mencionassem a sua antiga carreira de romancista, que o tornara tão famoso e celebrado.
Além de romances, Aluísio de Azevedo deixou publicados contos e peças de teatro, em colaboração.
No século XIX, São Luís do Maranhão era um centro de convergência de capital e de mão-de-obra escrava, graças à economia do algodão. Tornou-se, assim, um pólo de prosperidade econômica e cultural. Porém, a cidade era bastante conservadora e dona Emília causou um grande escândalo por viver com o pai de Aluísio sem a aprovação da Igreja.
Desde criança,Aluísio Azevedo demonstrava habilidades artísticas, principalmente no desenho. Por isso, a família matriculou-o em um curso de artes plásticas. Animado pelo sucesso que seu irmão Artur Azevedo estava fazendo na corte, Aluísio, aos 19 anos, resolve ir para o Rio de Janeiro. A corte era, na época, o centro das idéias liberais e em todo lugar se discutiam o abolicionismo e a causa republicana. Durante dois anos, Aluísio foi caricaturista de jornais como O Mequetrefe, Fígaro e Zig-Zag. Suas charges já faziam bastante sucesso junto ao público quando foi obrigado a retornar para São Luís devido à morte do seu pai, em 1878.
Em São Luís, passa a produzir crônicas e comentários para a imprensa local e conclui um romance que iniciara no Rio de Janeiro, com o título de Uma Lágrima de Mulher. O livro foi escrito em um estilo romântico bastante piegas, no entanto muito elogiado por seus conterrâneos. Ajuda, também, a lançar um periódico anticlerical, O Pensador e entra em contato com as obras de Eça de Queirós: O Crime do Padre Amaro (1875) e O Primo Basílio (1878).
Mas não são suas charges, crônicas ou seu primeiro romance que vão produzir novo escândalo na cidade e lhe dar renome nacional, mas, sim, a publicação, em 1881, do romance O Mulato, baseado na vida e nos costumes da sociedade maranhense.
O Mulato, primeiro romance naturalista da Literatura brasileira, causou tanto furor que obrigou o autor a deixar São Luís e a se instalar novamente na corte. A indignação foi tanta que uma revista da época, porta-voz do clero conservador, mandou o escritor abandonar a Literatura e dedicar-se à agricultura: “À lavoura, meu estúpido! À lavoura! Precisamos de braços e não de prosas em romances! Isto sim é real. A agricultura felicita os indivíduos e enriquece os povos! à foice! e à enxada!”.
No entanto, no resto do país, a obra fez bastante sucesso e, com o dinheiro obtido com a venda de 2 mil exemplares do livro, Aluísio retornou ao Rio de Janeiro.
Na corte, graças à fama conquistada, Aluísio Azevedo passa a colaborar para os jornais, atividade que desenvolve intensamente por muito tempo. Mesmo reclamando de ser “um escravo das Letras”, pois o dinheiro que ganhava tanto com a Imprensa quanto com a Literatura dava apenas para “não morrer de fome”, Aluísio construiu, nesse período, uma sólida carreira literária, publicando obras importantes, como Casa de Pensão (1884) e O Cortiço (1890). Foi, assim, o primeiro escritor brasileiro a viver exclusivamente de seu ofício. Para isso, produziu romances de folhetim ao gosto romântico, obras que considerava “comerciais”, e romances naturalistas, obras que considerava “artísticas”.
Em 1896, tornou-se cônsul através de concurso e abandonou a vida de escritor. Na sua nova profissão, serviu em Vigo e Nápoles (Itália), depois no Japão e, finalmente, em Buenos Aires (Argentina), onde faleceu em 1913. Estava com 55 anos e morreu ao lado da amante Pastora Luquez, argentina com quem vivera seus últimos dez anos. Durante os dezoito anos de serviço diplomático, não mais escreveu ou publicou livro algum, nem gostava de que lhe mencionassem a sua antiga carreira de romancista, que o tornara tão famoso e celebrado.
Além de romances, Aluísio de Azevedo deixou publicados contos e peças de teatro, em colaboração.
O desfecho da obra o mulato.
Obcecado por desvendar suas origens, Raimundo insiste em visitar a fazenda onde nascera. Após diversos adiamentos, seu tio finalmente o leva até a Fazenda São Brás. No caminho, o mulato começa a obter as primeiras informações sobre o passado trágico de seus pais. Ao pedir ao tio a mão de Ana Rosa em casamento, vê-se recusado. Perplexo, Raimundo acaba descobrindo que a recusa se deve a suas origens negras. Na fazenda, Raimundo é abordado, à noite, por uma velha negra de aspecto fantasmagórico, que o quer abraçar. Assustado, por pouco não mata a estranha aparição. No caminho de volta a São Luís, descobre que se tratava de sua mãe, Domingas.
Ao retornar à capital do Maranhão, Raimundo resolve voltar para o Rio de Janeiro. Não suporta mais viver com o tio e muda-se de sua casa, enquanto prepara-se para viajar. Pouco antes do embarque, manda uma carta a Ana Rosa confessando seu amor. O amor pela prima o impede de partir. Os amantes se encontram e Ana Rosa acaba engravidando. Contra tudo e contra todos, armam um plano de fuga. No entanto, o Cônego Diogo usa das confissões de Ana Rosa e da colaboração subserviente do caixeiro Dias, que intercepta as cartas do casal, para, ardilosamente, impedir a concretização da fuga.
No momento em que planejavam partir, os amantes são surpreendidos. O Cônego Diogo orquestra o escândalo e finge-se de protetor do casal. Raimundo volta para casa atordoado e, ao abrir a porta de casa, é atingido nas costas por um tiro disparado por Luís Dias, com uma pistola que lhe emprestara o Cônego Diogo.
Ana Rosa, desolada, aborta o filho de Raimundo. “A nova firma comercial, Silva e Dias, nasceu entretanto, no meio da mais completa prosperidade.”
Seis anos depois, no Clube Familiar, vemos Ana Rosa e seu marido Dias saindo de uma recepção oficial:
"O par festejado eram o Dias e Ana Rosa, casados havia quatro anos. Ele deixara crescer o bigode e aprumara-se todo; tinha até certo emproamento ricaço e um ar satisfeito e alinhado de quem espera por qualquer vapor o hábito da Rosa; a mulher engordara um pouco em demasia, mas ainda estava boa, bem torneada, com a pele limpa e a carne esperta.
Ia toda se saracoteando muito preocupada em apanhar a cauda do seu vestido, e pensando, naturalmente, nos seus três filhinhos, que ficaram em casa a dormir.
-- Grand'chaine, double, serré! berravam nas salas.
O Dias tomara o seu chapéu no corredor e, ao embarcar no carro, que esperava pelos dois lá embaixo, Ana Rosa levantara-lhe carinhosamente a gola da casaca.
-- Agasalha bem o pescoço, Lulu! Ainda ontem tossiste tanto à noite, queridinho!..."
A ironia final, bem a gosto naturalista, coloca por terra toda a idealização romântica de Ana Rosa e Raimundo. Morto o primo, a prima acaba por se casar com seu assassino, e parece levar, ao lado do marido que tão ferozmente rejeitara anteriormente, uma feliz e próspera vida burguesa. O mal triunfa, associado à igreja corrupta e ao comércio burguês.
Ao retornar à capital do Maranhão, Raimundo resolve voltar para o Rio de Janeiro. Não suporta mais viver com o tio e muda-se de sua casa, enquanto prepara-se para viajar. Pouco antes do embarque, manda uma carta a Ana Rosa confessando seu amor. O amor pela prima o impede de partir. Os amantes se encontram e Ana Rosa acaba engravidando. Contra tudo e contra todos, armam um plano de fuga. No entanto, o Cônego Diogo usa das confissões de Ana Rosa e da colaboração subserviente do caixeiro Dias, que intercepta as cartas do casal, para, ardilosamente, impedir a concretização da fuga.
No momento em que planejavam partir, os amantes são surpreendidos. O Cônego Diogo orquestra o escândalo e finge-se de protetor do casal. Raimundo volta para casa atordoado e, ao abrir a porta de casa, é atingido nas costas por um tiro disparado por Luís Dias, com uma pistola que lhe emprestara o Cônego Diogo.
Ana Rosa, desolada, aborta o filho de Raimundo. “A nova firma comercial, Silva e Dias, nasceu entretanto, no meio da mais completa prosperidade.”
Seis anos depois, no Clube Familiar, vemos Ana Rosa e seu marido Dias saindo de uma recepção oficial:
"O par festejado eram o Dias e Ana Rosa, casados havia quatro anos. Ele deixara crescer o bigode e aprumara-se todo; tinha até certo emproamento ricaço e um ar satisfeito e alinhado de quem espera por qualquer vapor o hábito da Rosa; a mulher engordara um pouco em demasia, mas ainda estava boa, bem torneada, com a pele limpa e a carne esperta.
Ia toda se saracoteando muito preocupada em apanhar a cauda do seu vestido, e pensando, naturalmente, nos seus três filhinhos, que ficaram em casa a dormir.
-- Grand'chaine, double, serré! berravam nas salas.
O Dias tomara o seu chapéu no corredor e, ao embarcar no carro, que esperava pelos dois lá embaixo, Ana Rosa levantara-lhe carinhosamente a gola da casaca.
-- Agasalha bem o pescoço, Lulu! Ainda ontem tossiste tanto à noite, queridinho!..."
A ironia final, bem a gosto naturalista, coloca por terra toda a idealização romântica de Ana Rosa e Raimundo. Morto o primo, a prima acaba por se casar com seu assassino, e parece levar, ao lado do marido que tão ferozmente rejeitara anteriormente, uma feliz e próspera vida burguesa. O mal triunfa, associado à igreja corrupta e ao comércio burguês.
O segredo encoberto
Raimundo era filho do irmão de Manuel Pescada, José Pedro da Silva, com sua escrava negra Domingas. Depois de seu nascimento, José Pedro casou-se com Quitéria Inocência de Freitas Santiago, mulher branca e impiedosa. Enciumada com a atenção especial que José Pedro dedicava ao pequeno Raimundo e à escrava Domingas, Quitéria ordenou que a negra fosse açoitada e que suas partes genitais fossem queimadas.
José Pedro, indignado com tamanha crueldade, leva o filho para a casa do irmão em São Luís. Voltando à fazenda, flagra a mulher e o então jovem e sedutor Padre Diogo em pleno adultério. Enfurecido, José Pedro mata Quitéria e forma um pacto de cumplicidade com o Padre Diogo: esconderão a culpa um do outro. Desgraçado e doente, José Pedro refugia-se na casa do irmão. Ao se restabelecer, resolve voltar à fazenda, mas, no meio do caminho, é assassinado por ordem do Padre Diogo, que já começara a insinuar-se também na casa de Manuel Pescada.
José Pedro, indignado com tamanha crueldade, leva o filho para a casa do irmão em São Luís. Voltando à fazenda, flagra a mulher e o então jovem e sedutor Padre Diogo em pleno adultério. Enfurecido, José Pedro mata Quitéria e forma um pacto de cumplicidade com o Padre Diogo: esconderão a culpa um do outro. Desgraçado e doente, José Pedro refugia-se na casa do irmão. Ao se restabelecer, resolve voltar à fazenda, mas, no meio do caminho, é assassinado por ordem do Padre Diogo, que já começara a insinuar-se também na casa de Manuel Pescada.
Em busca de um passado escondido.
Raimundo saíra criança de São Luís para Lisboa. “Em toda a sua vida, sempre longe da pátria, entre povos diversos, cheia de impressões diferentes tomada de preocupações de estudos, jamais conseguira chegar a uma dedução lógica e satisfatória a respeito da sua procedência. Não sabia ao certo quais eram as circunstâncias em que viera ao mundo, não sabia a quem devia agradecer a vida e os bens de que dispunha. Lembrava-se no entanto de haver saído em pequeno do Brasil e podia jurar que nunca lhe faltara o necessário e até o supérfluo.”
Esse jovem rico e virtuoso regressa a São Luís, depois de anos na Europa, formado e com o intuito de desvendar o mistério de seu passado. Antes, passara um ano no Rio de Janeiro e agora volta a São Luís para rever seu tio e protetor distante, Manuel Pescada.
Raimundo é bem recebido pela família do tio, com exceção da sogra de Manuel, a racista radical Dona Maria Bárbara. Estranha alguns olhares enviesados da população, mas imagina-os fruto do estranhamento causado por um forasteiro.
O sedutor advogado, como não poderia deixar de ser, logo cai nas graças de sua prima Ana Rosa que, arrebatada, declara-lhe seu amor. Raimundo corresponde à paixão da prima, mas os jovens encontram fortes obstáculos. Principalmente a oposição de Manuel Pescada, que queria a filha casada com Luís Dias, da avó Maria Bárbara, racista intransigente e do Cônego Diogo, velho amigo da casa e adversário não declarado e ardiloso de Raimundo.
Acontece que, ao contrário dos amantes, seus três grandes opositores conheciam as raízes negras de Raimundo. Aos poucos o leitor vai tomando conhecimento das origens do herói, que, no entanto, permanece ignorando tudo.
Esse jovem rico e virtuoso regressa a São Luís, depois de anos na Europa, formado e com o intuito de desvendar o mistério de seu passado. Antes, passara um ano no Rio de Janeiro e agora volta a São Luís para rever seu tio e protetor distante, Manuel Pescada.
Raimundo é bem recebido pela família do tio, com exceção da sogra de Manuel, a racista radical Dona Maria Bárbara. Estranha alguns olhares enviesados da população, mas imagina-os fruto do estranhamento causado por um forasteiro.
O sedutor advogado, como não poderia deixar de ser, logo cai nas graças de sua prima Ana Rosa que, arrebatada, declara-lhe seu amor. Raimundo corresponde à paixão da prima, mas os jovens encontram fortes obstáculos. Principalmente a oposição de Manuel Pescada, que queria a filha casada com Luís Dias, da avó Maria Bárbara, racista intransigente e do Cônego Diogo, velho amigo da casa e adversário não declarado e ardiloso de Raimundo.
Acontece que, ao contrário dos amantes, seus três grandes opositores conheciam as raízes negras de Raimundo. Aos poucos o leitor vai tomando conhecimento das origens do herói, que, no entanto, permanece ignorando tudo.
A casa de Manuel Pescada
Em seguida, o narrador apresenta a casa de Manuel Pescada, “um português de uns cinqüenta anos, forte, vermelho e trabalhador. Diziam-no afilado para o comércio e amigo do Brasil. Gostava da sua leitura nas horas de descanso, assinava respeitosamente os jornais sérios da província e recebia alguns de Lisboa. Em pequeno meteram-lhe na cabeça vários trechos do Camões e não lhe esconderam de todo o nome de outros poetas. Prezava com fanatismo o Marquês de Pombal, de quem sabia muitas anedotas e tinha uma assinatura no Gabinete Português, a qual lhe aproveitava menos a ele do que à filha, que era perdida pelo romance.”
É essa filha, Ana Rosa, leitora ávida de romances, como a Emma Bovary, de Flaubert, ou a Luísa do Primo Basílio, de Eça de Queirós, que Manuel Pescada quer fazer casar-se com seu colaborador, o caixeiro Luís Dias, rapaz promissor no comércio, mas que é assim descrito:
“O Dias, que completava o pessoal da casa de Manuel Pescada, era um tipo fechado como um ovo, um ovo choco que mal denuncia na casca a podridão interior. Todavia, nas cores biliosas do rosto, no desprezo do próprio corpo, na taciturnidade paciente daquela exagerada economia, adivinhava-se-lhe uma idéia fixa, um alvo para o qual caminhava o acrobata, sem olhar dos lados, preocupado, nem que se equilibrasse sobre um corda tesa. Não desdenhava qualquer meio para chegar mais depressa aos fins; aceitava, sem examinar, qualquer caminho desde que lhe parecesse mais curto; tudo servia, tudo era bom, contanto que o levasse mais rapidamente ao ponto desejado. Lama ou brasa -- havia de passar por cima; havia de chegar ao alvo -- enriquecer. Quanto à figura, repugnante: magro e macilento, um tanto baixo um tanto curvado, pouca barba, testa curta e olhos fundos. O uso constante dos chinelos de trança fizera-lhe os pés monstruosos e chatos quando ele andava, lançava-os desairosamente para os lados, como o movimento dos palmípedes nadando. Aborrecia-o o charuto, o passeio, o teatro e as reuniões em que fosse necessário despender alguma coisa; quando estava perto da gente sentia-se logo um cheiro azedo de roupas sujas.”
A descrição, um dos momentos mais claramente naturalistas do romance, não deixa dúvidas quanto ao aspecto repugnante do caixeiro. As personagens caricaturais dominam o romance. O Realismo-naturalismo vai abusar das caricaturas para ressaltar o lado apodrecido das personagens e da sociedade retratada.
É essa filha, Ana Rosa, leitora ávida de romances, como a Emma Bovary, de Flaubert, ou a Luísa do Primo Basílio, de Eça de Queirós, que Manuel Pescada quer fazer casar-se com seu colaborador, o caixeiro Luís Dias, rapaz promissor no comércio, mas que é assim descrito:
“O Dias, que completava o pessoal da casa de Manuel Pescada, era um tipo fechado como um ovo, um ovo choco que mal denuncia na casca a podridão interior. Todavia, nas cores biliosas do rosto, no desprezo do próprio corpo, na taciturnidade paciente daquela exagerada economia, adivinhava-se-lhe uma idéia fixa, um alvo para o qual caminhava o acrobata, sem olhar dos lados, preocupado, nem que se equilibrasse sobre um corda tesa. Não desdenhava qualquer meio para chegar mais depressa aos fins; aceitava, sem examinar, qualquer caminho desde que lhe parecesse mais curto; tudo servia, tudo era bom, contanto que o levasse mais rapidamente ao ponto desejado. Lama ou brasa -- havia de passar por cima; havia de chegar ao alvo -- enriquecer. Quanto à figura, repugnante: magro e macilento, um tanto baixo um tanto curvado, pouca barba, testa curta e olhos fundos. O uso constante dos chinelos de trança fizera-lhe os pés monstruosos e chatos quando ele andava, lançava-os desairosamente para os lados, como o movimento dos palmípedes nadando. Aborrecia-o o charuto, o passeio, o teatro e as reuniões em que fosse necessário despender alguma coisa; quando estava perto da gente sentia-se logo um cheiro azedo de roupas sujas.”
A descrição, um dos momentos mais claramente naturalistas do romance, não deixa dúvidas quanto ao aspecto repugnante do caixeiro. As personagens caricaturais dominam o romance. O Realismo-naturalismo vai abusar das caricaturas para ressaltar o lado apodrecido das personagens e da sociedade retratada.
O meio
O romance O Mulato se abre com a descrição nada elogiosa da cidade de São Luís do Maranhão:
“Era um dia abafadiço e aborrecido. A pobre cidade de São Luís do Maranhão parecia entorpecida pelo calor. Quase que se não podia sair à rua: as pedras escaldavam; as vidraças e os lampiões faiscavam ao sol como enormes diamantes; as paredes tinham reverberações de prata polida; as folhas das árvores nem se mexiam; as carroças de água passavam ruidosamente a todo o instante, abalando os prédios; e os aguadeiros, em mangas de camisa e pernas arregaçadas, invadiam sem cerimônia as casas para encher as banheiras e os potes. Em certos pontos não se encontrava viva alma na rua; tudo estava concentrado, adormecido; só os pretos faziam as compras para o jantar ou andavam no ganho.”
É nessa atmosfera abafada, tanto do ponto de vista climático quanto do convívio social, que são apresentadas as personagens. Até os cães se envolvem no ambiente de letargia preguiçosa: “Os cães, estendidos pelas calçadas, tinham uivos que pareciam gemidos humanos, movimentos irascíveis, mordiam o ar querendo morder os mosquitos.” O mal cheiro domina o ambiente: “Às esquinas, nas quitandas vazias, fermentava um cheiro acre de sabão da terra e aguardente.” A grosseria do ambiente envolve as ações das personagens: “O quitandeiro, assentado sobre o balcão, cochilava a sua preguiça morrinhenta, acariciando o seu imenso e espalmado pé descalço (…) as peixeiras, quase todas negras, muito gordas, o tabuleiro na cabeça, rebolando os grossos quadris trêmulos e as tetas opulentas.”
Note-se que, se os cães “tinham uivos que pareciam gemidos humanos”, as peixeiras, animalizadas, têm “tetas opulentas”. Homens e animais se misturam, portanto, no universo bestializado e asfixiante de São Luís do Maranhão.
“Era um dia abafadiço e aborrecido. A pobre cidade de São Luís do Maranhão parecia entorpecida pelo calor. Quase que se não podia sair à rua: as pedras escaldavam; as vidraças e os lampiões faiscavam ao sol como enormes diamantes; as paredes tinham reverberações de prata polida; as folhas das árvores nem se mexiam; as carroças de água passavam ruidosamente a todo o instante, abalando os prédios; e os aguadeiros, em mangas de camisa e pernas arregaçadas, invadiam sem cerimônia as casas para encher as banheiras e os potes. Em certos pontos não se encontrava viva alma na rua; tudo estava concentrado, adormecido; só os pretos faziam as compras para o jantar ou andavam no ganho.”
É nessa atmosfera abafada, tanto do ponto de vista climático quanto do convívio social, que são apresentadas as personagens. Até os cães se envolvem no ambiente de letargia preguiçosa: “Os cães, estendidos pelas calçadas, tinham uivos que pareciam gemidos humanos, movimentos irascíveis, mordiam o ar querendo morder os mosquitos.” O mal cheiro domina o ambiente: “Às esquinas, nas quitandas vazias, fermentava um cheiro acre de sabão da terra e aguardente.” A grosseria do ambiente envolve as ações das personagens: “O quitandeiro, assentado sobre o balcão, cochilava a sua preguiça morrinhenta, acariciando o seu imenso e espalmado pé descalço (…) as peixeiras, quase todas negras, muito gordas, o tabuleiro na cabeça, rebolando os grossos quadris trêmulos e as tetas opulentas.”
Note-se que, se os cães “tinham uivos que pareciam gemidos humanos”, as peixeiras, animalizadas, têm “tetas opulentas”. Homens e animais se misturam, portanto, no universo bestializado e asfixiante de São Luís do Maranhão.
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