sábado, 30 de abril de 2011

Introdução do romançe:

   Um dos mais belos romances da nossa literatura romântica, Iracema é considerado por muitos “um poema em prosa”. A trágica história da bela índia apaixonada pelo guerreiro branco é contada por José de Alencar com o ritmo e a força de imagens próprios da poesia.
    Em Iracema, José de Alencar construiu uma alegoria perfeita do processo de colonização do Brasil e de toda a América pelos invasores portugueses e europeus em geral. O nome Iracema é uma anagrama da palavra América. O nome de seu amado Martim remete ao deus greco-romano Marte, o deus da guerra e da destruição.
    O autor demonstra, já a partir do título, um evidente trabalho de construção de uma linguagem e de um estilo que possam melhor representar, para o leitor, “a singeleza primitiva da língua bárbara”, com “termos e frases que pareçam naturais na boca do selvagem”.
     O livro foi publicado em 1865 e, em pouco tempo, agradou tanto aos leitores quanto aos críticos literários, a começar pelo jovem Machado de Assis, então com 27 anos, que escreveu sobre Iracema no Diário do Rio de Janeiro, em 1866:
     “Tal é o livro do Sr. José de Alencar, fruto do estudo e da meditação, escrito com sentimento e consciência… Há de viver este livro, tem em si as forças que resistem ao tempo, e dão plena fiança do futuro…Espera-se dele outros poemas em prosa. Poema lhe chamamos a este, sem curar de saber se é antes uma lenda, se um romance: o futuro chamar-lhe-á obra-prima.”

Exercicios sobre o romance:

1. A respeito do romance Iracema, pode-se afirmar que
a) trata das relações cordiais existentes entre o colonizador europeu e o índio brasileiro.
b) através de Moacir, filho de Martim e de Iracema, apresenta uma metáfora do nasci­mento da nação brasileira.
c) retrata a destruição dos guerreiros franceses pelos índios do litoral brasileiro.
d) aponta a supremacia da cultura indígena através da transformação de Martim em Coatiabo.
e) mostra o processo de destruição da cultura indígena que a catequese ajudou a provocar.        
2. Com as expressões “ a virgem dos lábios de mel” e “cabelos negros como a asa da graúna”, o narrador pretende:
a) fazer de Iracema um protótipo da beleza feminina genuinamente brasileira.
b) ironizar a figura do índio.
c) comparar somente a índia com a natureza.
d) sensibilizar o português que não vê uma beleza exótica.
e) mostrar a vaidade arraigada na alma indígena.
3. (UFRS) Considere as seguintes informações:
I. Pode-se afirmar que o Romantismo brasileiro foi a manifestação artística que mais bem expressou o sentimento nacionalista desenvolvido com a Independência do país.
II. Os romancistas românticos, preocupados com a formação de uma literatura que expressasse a cor local, criaram romances considerados regionais, mais pela temática do que pela linguagem.
III. A tendência indianista do Romantismo brasileiro tinha por objetivo a desmistificação do papel do índio na história do Brasil desde a colonização.
Quais estão corretas?
a) apenas I
b) apenas II
c) apenas I e II
d) apenas I e III
e) I, II e III
4. (UFJF) Em relação ao Romantismo brasileiro, assinale a única afirmação que não é verdadeira:
a) Expressão de nacionalismo através da descrição de costumes e regiões do Brasil.
b) Análise crítica e científica dos fenômenos da sociedade brasileira.
c) Desenvolvimento do teatro nacional.
d) Expressão poética de temas confessionais, indianistas e humanistas.
e) Caracterização do romance como forma de entretenimento e moralização.
5. (UFPA) Na época da Independência do Brasil, quando nosso país precisava auto-afirmar-se como nação, entrou em vigência entre nós um estilo de época que, pelos ideais de liberdade que professava através de sua ideologia, se prestava admiravelmente a expressar esses anseios nacionalistas. Tal estilo foi:
a) o Romantismo.
b) o Barroco.
c) o Realismo/Naturalismo.
d) o Modernismo.
e) o Neoclassicismo.
6. (ESPM-SP) Qual o nosso principal romancista do Indianismo?
7. (Mack-SP) José de Alencar tenta mostrar um painel de relações do índio brasileiro com o homem europeu. Mostra, inclusive, o índio antes da chegada dos portugueses, o princípio de sua miscigenação e, posteriormente, o mesmo já totalmente cristianizado, num estado de quase servidão em relação ao homem branco.
Assinale a alternativa em que aparecem, respectivamente, nomes de romances que exemplifiquem tais temáticas.
a) Iracema, Ubirajara, O Sertanejo.
b) As Minas de Prata, Til, O Sertanejo.
c) Lucíola, A Pata da Gazela, Ubirajara.
d) Ubirajara, Senhora, Til.
e) Ubirajara, Iracema, O Guarani.
8. Em Iracema, a personagem Martim evidencia:
a) o europeu que odeia o elemento nativo.
b) um brasileiro criado em Portugal que retorna à sua terra.
c) um filho de imigrantes que se propõe a colonizar nossa terra.
d) a união de duas raças, gerando uma nova nação.
e) a superioridade européia relativamente ao índio.
                                                                        
9. Relativamente à cultura nativa representada em Iracema, é possível observar que
a) os indígenas compunham um único povo, cujas tradições mantinham.
b) havia nações indígenas que cultivavam antagonismo.
c) os indígenas dessa obra alencariana já estavam aculturados.
d) havia o costume de casar com estrangeiros.
e) Iracema simbolizava a infertilidade nacional.
                                                                 
10. Sobre o Indianismo de Alencar, é correto afirmar:
a) o índio foi posto em situação inferior ao herói da literatura européia.
b) o escritor incluiu dados do regionalismo do Brasil central.
c) a obra O Cabeleira é a maior representação do gênero.
d) Iracema e Ubirajara têm a mesma visão do índio brasileiro.
e) Iracema e Ubirajara mostram momentos distintos do índio brasileiro.

Video aula com professor do Anglo que resume o romance Iracema

Aspectos tematicos da obra:

Um dos propósitos de Alencar, ao conceber Iracema, foi, sem dúvida, mostrar como se deu a formação do Ceará, sua terra natal - a terra onde "canta a jandaia", como significa "Ceará" ao pé da letra, e explica o autor: "Ceará é nome composto de cemo - cantar forte, calmar, e ara - pequena arara ou periquito".
Como se viu pelo enredo, Moacir, fruto da união de Martim (branco) com Iracema (índio), é o "primeiro cearense". A conquista da terra pelo branco, ocorrida nos primórdios do século XVII, deu-se através de lutas sangrentas em que os portugueses contaram com a valiosa ajuda dos índios pitiguaras, que habitavam o litoral.
Ao retratar o mundo selvagem e primitivo dos índios, Alencar reveste a sua prosa de um tom poético e ingênuo, tentando, assim dar uma visão da realidade focalizada a partir da ótica do índio: as imagens, as comparações, a forma de exprimir mostram o índio integrado no seu “habitat” natural e como que sugerem o nascimento de um mundo novo; penetrando nas entranhas da terra virgem e selvagem, o branco conquistador iria fazer brotar uma nova raça.
Já foi observado que Iracema é anagrama da América, isto é, Iracema tem exatamente as mesmas letras de América, numa outra ordem. Assim, simbolicamente, a morte da índia, no final da estória, pode representar a aniquilação da cultura nativa pela invasora que conquista e domina a terra.
De sentido igualmente simbólico se reveste a oposição de Irapuã ao
hóspede branco (Martim), protegido por Araquém. Ao opor-se a ele, o guerreiro
tabajara não quer defender o amor que nutria pela virgem dos lábios de mel; sua resistência é, antes, em defesa da preservação da cultura indígena e do “segredo de Jurema”. Do qual Iracema era guardiã. Violada a sua virgindade pelo invasor branco, fatalmente as tribos seriam dizimadas e aniquiladas.
Assim, embora possa parecer o “vilão da estória”, opondo-se a Martim, o gesto de Irapuã reveste-se de nobreza e grandeza, pois outro lado, a conduta de Iracema (e também Poti), que se aliam ao conquistador branco, é passível de condenação. Como se viu, Iracema morre, desfigurada pela dor e pelo estrangulamento cultural; Poti, descaracterizado e tornado cristão, recebe o batismo de gente civilizada e passa a se chamar Antônio Felipe Camarão...

Caracteristicas romanticas da obra:

- Imaginação criadora/Subjetividade
Criações não existentes no mundo real, mas na imaginação do autor sim. Iracema é era descrita de uma forma totalmente diferente dos índios que realmente existiam nas matas do Brasil.
” O favo da jati não era doce como seu sorriso; nem a baunilha recendia no bosque com seu hálito perfumado”.(ALENCAR, 2006, p. 12).
-Sentimentalismo
O sentimentalismo está presente em toda a obra de José de Alencar.
“Sofreu mais d’alma que da ferida”. (ALENCAR, p.13)
-Escapismo
Religioso- “O cristão repeliu do seio a virgem indiana. Ele não deixará o rasto da desgraça na cabana hospedeira. Cerra os olhos para não ver; e enche sua alma com o nome e a veneração de seu Deus: – Cristo !… Cristo! …”. (ALENCAR, 2006, p. 29).
Escapismo para os sonhos- “Agora podia viver com Iracema, e colher em seus lábios o beijo, que ali viçava entre sorrisos, como o fruto da corola na flor.Podia amá-la, e sugar desse amor o mel e o perfume, sem deixar veneno no seio da virgem  “. (ALENCAR, 2006, p.30).
Escapismo para a morte- “Quando teu filho deixar o seio de Iracema, ela morrerá, como o abati depois que deu seu fruto. Então o guerreiro branco não terá mais quem o prenda na terra estrangeira”. (ALENCAR, 2006, p. 51).
-Nacionalismo (Ufanismo)
Necessidade de eleger símbolos que representem à pátria (natureza e o índio).
- Idealização
Heroína/ Amor/ Natureza
“A virgem dos lábios de mel, que tinha os cabelos mais negros que a asa da graúna, e mais longos que o talhe de palmeira. O favo da jati não era doce como seu sorriso; nem a baunilha recendia no bosque com seu hálito perfumado. Mais rápida que a ema selvagem, a morena virgem corria o sertão e as matas do Ipu, onde campeava sua guerreira tribo, da grande nação Tabajara. O pé grácil e nu, mal roçando, alisava apenas a verde pelúcia que vestia a terra com as primeiras águas”. (ALENCAR, 2006, p.12).
“Nunca mais a alegria voltará ao seio de Iracema: ela vai ficar, como o tronco nu, sem ramas nem sombras”. (ALENCAR, 2006, p. 28).
“Verdes mares bravios de minha terra natal, onde canta a jandaia nas frondes da carnaúba;
Verdes mares, que brilhais como líquida esmeralda aos raios do sol nascente,perlongando as alvas praias ensombradas de coqueiros;” . (ALENCAR, 2006, p. 11).
-Maniqueísmo
- Indianismo
Resgata o ideal do “bom selvagem”, que segundo Rosseau a sociedade corrompe o homem. Sua perfeição seria índio que não tinha contato com a sociedade corrompida.
- Religiosidade
“Poti foi o primeiro que ajoelhou aos pés do sagrado lenho; não sofria ele que nada mais o separasse de seu irmão branco. Deviam ter ambos um só deus, como tinham um só coração”. (ALENCAR, 2006, p. 87).

Tempo e Espaço retratado no romance:

Tempo
No romance predomina o tempo cronológico que é marcado pelos ritmos da natureza, ou seja, é delimitado pelos elementos da natureza como a mudança de estações, mudança das luas e pela mudança dos dias. Por fim podemos perceber que o tempo histórico ocorre no descobrimento do Brasil, mais especificamente no século XVII, já que o livro retrata a luta para a expulsão dos holandeses do nordeste.
“Tempos depois, quando veio Albuquerque, o grande chefe dos guerreiros brancos, Martim e Camarão partiram para as margens do Mearim a castigar o feroz Tupinambá e expulsar o branco Tapuia”.(ALENCAR,2006, p.87).
Espaço
É visto no Romance Iracema a valorização da cor local. O autor usa de adjetivos para caracterizar as paisagens do Ceará. Ele apresenta a cor local brasileira quando se refere às praias, rios e florestas e ainda podemos ressaltar as referências de lugares como Porangaba e Mecejana.

Como é narrado o romança?

 O romance é narrado na terceira pessoa, mas o narrador está longe de se manter neutro e mero observador. Abundam os adjetivos reveladores de admiração, principalmente em referência à natureza brasileira e à Iracema. Em alguns momentos o narrador arrebatado chega a revelar-se na primeira pessoa: “O sentimento que ele pôs nos olhos e no rosto, não o sei eu.
    Tais arroubos justificam-se pela colocação, no início da obra, de que essa é "uma história que me contaram nas lindas vargem onde nasci". Assim, Alencar justifica a intromissão da voz na primeira pessoa em uma obra narrada na terceira.

O exilio:

Iracema acompanha Martim e Poti e passa a morar com eles no litoral. Durante algum tempo, eles são muito felizes, e a alegria se completa com a gravidez de Iracema. Porém, Martim acaba por “saturar-se de felicidade” e seu interesse pela esposa e pela vida ao seu lado começa a esfriar. Iracema se ressente da frieza do marido e sofre. Martim se ausenta com freqüência em caçadas e batalhas contra os inimigos dos pitiguaras. Enquanto guerreia, nasce seu filho, que Iracema chama de Moacir, que significa “nascido do meu sofrimento, da minha dor”.
    Iracema dá ao filho o nome indígena correspondente ao nome hebraico Benoni, que também significa “filho de minha dor”. Este é o nome dado por Raquel, mulher do patriarca bíblico Jacó, ao seu último filho. Raquel morre depois de dar à luz. Mas Jacó muda o nome do menino para Benjamim. Os filhos de Jacó dão origem às tribos que formarão a nação Israel, assim como o filho de Iracema representa o início de uma nação.
    Solitária e saudosa, Iracema tem dificuldade para amamentar o filho e quase não come. Desfalece de tristeza. Martim fica longe de Iracema durante oito luas (oito meses) e, quando volta, encontra Iracema à beira da morte. Ela entrega o filho a Martim, deita-se na rede e morre, consumida pela dor. Poti e Martim enterram-na ao pé do coqueiro, à beira do rio. Segundo Poti: “quando o vento do mar soprar nas folhas, Iracema pensará que é tua voz que fala entre seus cabelos.
    O lugar onde viveram e o rio em que nascera o coqueiro vieram a ser chamados, um dia, pelo nome de Ceará.
    Martim partiu das praias do Ceará levando o filho. Alencar comenta: “O primeiro cearense, ainda no berço, emigrava da terra da pátria. Havia aí a predestinação de uma raça?
    O guerreiro branco volta alguns anos depois, acompanhado de outros brancos, inclusive um sacerdote “para plantar a cruz na terra selvagem”. Começa a colonização e a narrativa termina: “Tudo passa sobre a terra.

O conflito:

Martim é ameaçado pelo enciumado chefe guerreiro Irapuã, que quer invadir a cabana de Araquém e matá-lo. Apesar da advertência de Araquém de que Tupã puniria quem machucasse seu hóspede, os guerreiros de Irapuã cercam a cabana, que é protegida por Caubi.
    Iracema encontra Poti, que está próximo à aldeia dos tabajaras e deseja salvar o amigo. Planejam, então, a fuga de Martim. Durante a preparação dos guerreiros tabajaras para a guerra com os pitiguaras, Iracema lhes serve o vinho da jurema e, enquanto os guerreiros deliram, ela leva Martim e Poti para longe da aldeia. Quando já estão em terras pitiguaras, Iracema revela a Martim que ela agora é sua esposa e deve acompanhá-lo. Entretanto, os tabajaras descobrem que Iracema traíra “o segredo da jurema” e perseguem os fugitivos. Os pitiguaras, avisados da invasão dos tabajaras, juntam-se aos fugitivos e é travado um sangrento combate. Iracema luta ao lado de Martim contra a sua tribo.Os pitiguaras ganham a luta e Iracema se entristece pela morte dos seus irmãos tabajaras.

A sedução:

Enquanto esperam a volta de Caubi, o irmão de Iracema que reconduziria o guerreiro branco às terras pitiguaras, Iracema se apaixona por Martim, mas não pode se entregar a ele, porque, como afirma o Pajé, “se a virgem abandonou ao guerreiro branco a flor de seu corpo, ela morrerá…” Uma noite, Martim pede à Iracema o vinho de Tupã, já que não está conseguindo resistir aos encantos da virgem. O vinho, que provoca alucinações, permitiria que ele, em sua imaginação, possuísse a jovem índia como se fosse realidade. Iracema lhe dá a bebida e, enquanto ele imagina estar sonhando, Iracema “torna-se sua esposa”.
    É muito importante notar o valor alegórico dessa passagem. Ao “possuir” Iracema, Martim está inconsciente, completamente seduzido e inebriado. Esse gesto há de provocar a destruição da virgem, assim como a invasão do Brasil pelos portugueses há de provocar a destruição da floresta virgem americana. No entanto, assim como Martim não tinha qualquer intenção de provocar a morte de sua amada – o faz por paixão – os destruidores da natureza brasileira o fizeram de forma inconsciente e inconseqüente. A consciência ecológica de Alencar vai muito além da ingênua defesa das nossas matas: percebe com clareza o seu processo de destruição.

A heroina Idealizada de José de Alencar: Iracema

Iracema é filha de Araquém, pajé da tribo tabajara, e deve manter-se virgem porque “guarda o segredo da jurema e o mistério do sonho. Sua mão fabrica para o Pajé a bebida de Tupã”. Um dia, Iracema encontra, na floresta, Martim, que se perdera de Poti, amigo e guerreiro pitiguara com quem havia saído para caçar e agora andava errante pelo território dos inimigos tabajaras. Iracema leva Martim para a cabana de Araquém, que abriga o estrangeiro: para os indígenas, o hóspede é sagrado.
    O momento em que Martim encontra Iracema revela a idealização romântica em seu grau mais elevado:
 
    “Além, muito além daquela serra, que ainda azula no horizonte, nasceu Iracema.
Iracema, a virgem dos lábios de mel, que tinha os cabelos mais negros que a asa da graúna e mais longos que seu talhe de palmeira.
    O favo da jati não era doce como seu sorriso; nem a baunilha recendia no bosque como seu hálito perfumado.
    Mais rápida que a ema selvagem, a morena virgem corria o sertão e as matas do Ipu, onde campeava sua guerreira tribo, da grande nação tabajara. O pé grácil e nu, mal roçando, alisava apenas a verde pelúcia que vestia a terra com as primeiras águas.
    Um dia, ao pino do sol, ela repousava em um claro da floresta. Banhava-lhe o corpo a sombra da oiticica, mais fresca do que o orvalho da noite. Os ramos da acácia silvestre esparziam flores sobre os úmidos cabelos. Escondidos na folhagem os pássaros ameigavam o canto.
    Iracema saiu do banho; o aljôfar d'água ainda a roreja, como à doce mangaba que corou em manhã de chuva. Enquanto repousa, empluma das penas do gará as flechas de seu arco, e concerta com o sabiá da mata, pousado no galho próximo, o canto agreste
    A graciosa ará, sua companheira e amiga, brinca junto dela. Às vezes sobe aos ramos da árvore e de lá chama a virgem pelo nome; outras remexe o uru de palha matizada, onde traz a selvagem seus perfumes, os alvos fios do crautá , as agulhas da juçara com que tece a renda, e as tintas de que matiza o algodão.
    Rumor suspeito quebra a doce harmonia da sesta. Ergue a virgem os olhos, que o sol não deslumbra; sua vista perturba-se.
    Diante dela e todo a contemplá-la, está um guerreiro estranho, se é guerreiro e não algum mau espírito da floresta. Tem nas faces o branco das areias que bordam o mar; nos olhos o azul triste das águas profundas. Ignotas armas e tecidos ignotos cobrem-lhe o corpo.”
 
    Note-se que o narrador seguidas vezes compara Iracema à natureza exuberante do Brasil. E a virgem leva sempre vantagem. Seus cabelos são mais negros e mais longos, seu sorriso mais doce, seu hálito mais perfumado, seus pés mais rápidos.
    Iracema é apresentada por um narrador que, embora se apresente na terceira pessoa, é claramente emotivo e apaixonado. Retrata-a, portanto, como a síntese perfeita das maravilhas da natureza cearense, brasileira e americana. Iracema é muito mais do que uma mulher. Não anda, flutua. Toda a natureza rende-lhe homenagem: da acácia silvestre aos pássaros, como o sabiá e a ará. A heroína é o próprio espírito harmonioso da floresta virgem.
 

Biografia de José de Alencar

José Martiniano de Alencar (1829-1877), político, jornalista, advogado e escritor brasileiro. Foi o maior representante da corrente literária indianista. Cearense, com parte da adolescência vivida na Bahia, José de Alencar formou-se em Direito e foi jornalista no Rio de Janeiro. Vaidoso e sentimental, iniciou sua carreira literária em 1857, com a publicação de O guarani, lançado como folhetim e que alcançou enorme sucesso, o que lhe rendeu fama súbita. Sua obra costuma ser dividida em três etapas: 1) Romances urbanos: Cinco minutos (1860), A viuvinha (1860), Lucíola (1862), Diva (1864), A pata da gazela (1870), Sonhos d’ouro (172, Senhora (1875) e Encarnação (1877). 2) Romances históricos: O Guarani (1870), Iracema (1875), As Minas de prata (1865), Alfarrábios (1873), A guerra dos mascates (1873) e Ubirajara (1874). 3) Romances regionalistas: O gaúcho (1870), O tronco do Ipê (1871), Til (1872), O sertanejo (1876). José de Alencar criou uma literatura nacionalista onde se evidencia uma maneira de sentir e pensar tipicamente brasileiras. Suas obras são especialmente bem sucedidas quando o autor transporta a tradição indígena para a ficção. Tão grande foi a preocupação de José de Alencar em retratar sua terra e seu povo que muitas das páginas de seus romances relatam mitos, lendas, tradições, festas religiosas, usos e costumes observados pessoalmente por ele, com o intuito de, cada vez mais, “abrasileirar” seus textos. Ao lado da literatura, José de Alencar foi um político atuante — chegou a ocupar o cargo de ministro da Justiça do gabinete do visconde de Itaboraí — e foi um prestigiado deputado do Partido Conservador por quatro legislaturas. Todas as reformas pelas quais lutou propunham a manutenção do regime monárquico (ver Monarquia) e da escravatura (ver Escravidão). Famoso a ponto de ser aclamado por Machado de Assis como “o chefe da literatura nacional”, José de Alencar morreu aos 48 anos, no Rio de Janeiro, deixando seis filhos, inclusive Mário de Alencar, que seguiria a carreira de letras do pai.

Personagens do romançe:

1) Iracema - a virgem dos lábios de mel, que tinha os cabelos mais negros que a asas da graúna e mais longos que seu talhe de palmeira. O favo da jati não era mais doce que seu sorriso, nem a baunilha rescendia no bosque como se hálito perfumado. Era mais rápida que a ema selvagem. Índia da tribo tabajara, filha de Araquém. Demonstrou muita coragem e sensibilidade. Revelou-se amiga, companheira, amorosa, amante, submissa e confiante. Renunciou tudo pelo amor de Martim. Representa bem o elemento indígena que se casa com o branco para formar uma nova raça: a brasileira.

2) Martim - o seu nome na língua indígena significa "filho de guerreiro". Era português e veio ao Brasil numa expedição, quando fez amizade com Jacaúna, chefe dos pitiguaras, dos quais recebeu o nome de Coatiabo - "guerreiro pintado". Tinha nas faces o branco das areias que bordam o mar, nos olhos o azul triste das águas profundas, os cabelos do sol. Corajoso, valente, audaz, representa bem o branco conquistador, que se impôs aos índios na colonização do Brasil.

3) Araquém - pai de Iracema, pajé da tribo tabajara, tinha os olhos cavos e rugas profundas, compridos e raros cabelos brancos. Era um grande conselheiro, tinha o dom da sabedoria e da liderança.

4) Andira - irmão do pajé Araquém. Provou ser um grande e impetuoso guerreiro. É o velho herói. É feroz Andira que bebeu mais sangue na guerra que beberam já tantos guerreiros. Ele viu muitos combates na vida, escapelou muitos pitiguaras. Nunca temeu o inimigo. Seu nome significa "morcego".

5) Caubi - irmão de Iracema. Tinha o ouvido sutil, era capaz de pressentir a boicininga (cascavel) entre rumores da mata; tinha o olhar que melhor vê nas trevas. Era bom caçador, corajoso, guerreiro destemido que não guardou rancor da irmã, indo visitá-la na sua choupana distante.

6) Irapuã - chefe dos tabajaras, manhoso, traiçoeiro, ciumento, corajoso, valente, um grande guerreiro. Estava sempre lembrando a Iracema sobre a necessidade de se conservar virgem, pois ela guardava o segredo de Jurema. O seu nome significa "mel redondo". De certa forma, Irapuã representa, com sua oposição, um esforço no sentimento de guardar e preservar as tradições indígenas.

7) Poti - guerreiro destemido, irmão do chefe dos pitiguaras. Prudente, valente, audaz, livre, ligeiro e muito vivo. Tinha uma grande amizade por Martim a quem considerava irmão e de quem era aliado.

8) Jacaúna - o grande Jacaúna, o chefe dos pitiguaras, senhor das praias do mar. O seu colar de guerra, com os dentes dos inimigos vencidos, era um brasão e troféu de valentia. Era corajoso, exímio guerreiro, forte. Seu nome tem o significado de "jacarandá-preto".

9) Batuireté - avô de Poti, maior chefe. Tinha a cabeça nua de cabelos, cheio de rugas, Morava numa cabana na Serra do Maranguab (sabedor de guerra). Batuireté significa "valente nadador".

10) Jatobá - pai de Poti. Conduziu os pitiguaras a muitas vitórias. Robusto e valente.

11) Moacir - o nascido do sofrimento, o "filho da dor". É, na alegoria de Alencar, o primeiro brasileiro - fruto da união do branco com o índio. Mal nasceu, já exilava da terra que o gerou. Estaria nisso a predestinação errante da gente nordestina?

Fonte(s): http://www.portrasdasletras.com.br/pdtl2…

Resumo da obra;Iracema

Durante uma caçada, Martim Soares Moreno, personagem histórico responsável pela colonização do Ceará, se perdeu dos companheiros pitiguaras e se pôs a caminhar sem rumo durante três dias.

No interior das matas pertencentes à tribo dos tabajaras, encontra-se com Iracema, filha do pajé Araquém, da tribo dos Tabajaras, "os senhores das montanhas".

Ao deparar-se com Martim, surpresa e amedrontada, a índia o fere no rosto com uma flechada. Ele não reagiu. Arrependida, a moça correu até Martim e ofereceu-lhe hospitalidade, quebrando com ele a flecha da paz. Martim, por quem Iracema se apaixona, vai visitar a sua tribo. Lá encontra Irapuã, o chefe, um rival. Entretanto, o duelo entre ambos é interrompido pelo grito de guerra dos Pitiguaras, "os senhores do litoral", liderados por Poti (Antônio Felipe Camarão, personagem histórico), amigo de Martim.

Nas entranhas da terra, magicamente abertas por Araquém, Iracema esconde-se com Martim e torna-se sua esposa, traindo o compromisso de virgem vestal, sacerdotisa da tribo e portadora do segredo da jurema, o segredo da fertilidade dos Tabajaras.

Durante o sono da tribo propiciado por Iracema, que a leva aos bosques da Jurema, onde os guerreiros podem sonhar vitórias futuras, há o reencontro entre Martim e Poti, que fogem guiados por Iracema. Ela não revela a Martim o que houve entre ambos o himeneu, enquanto o jovem iniciava-se nos mistérios de Jurema, só o fazendo depois da fuga.

Irapuã encontra os fugitivos, trava-se um combate entre os Tabajaras e os melhores Pitiguaras, conduzidos por Jacaúva, irmão de Poti. Nesse combate, Iracema pede a Martim que não mate Caubi ("o senhor dos caminhos"), seu irmão, e por duas vezes salva a vida do estrangeiro. Os Tabajaras debandam, deixando Iracema triste e envergonhada.

Iracema, Martim e Poti chegam ao território Pitiguara, de onde viajam para visitar Batuirité, o avô de Poti, o qual denomina Martim Gavião Branco, fazendo, antes de morrer, a profecia da destruição de seu povo pelos brancos.

Iracema engravida e, acompanhada de Poti, pinta o corpo de Martim, que passa a ser Coatiabo, "o guerreiro pintado", que às vezes tem momentos de grande melancolia, com saudades da pátria.

Um mensageiro Pitiguara leva a Poti um recado de Jacaúna, contando sobre a aliança entre os franceses e os Tabajaras. Poti e Martim partem para a guerra; Iracema fica no litoral, em companhia de uma seta envolvida em um galho de maracujá (a lembrança). Triste, recebe a visita de Jandaia, antiga companheira e trona-se como ela, "mecejana" (a abandonada).

Martim e Poti voltam vitoriosos; Martim sente mais saudades da pátria; Iracema profetiza a própria morte que ocorrerá com o nascimento do filho. Enquanto Martim estava combatendo, Iracema teve sozinha o filho, a quem chamou de Moacir, filho da dor. Certa manhã, ao acordar, ela viu à sua frente o irmão Caubi, que, saudoso, vinha visitá-la, trazendo paz. Admirou a criança, porém surpreendeu-se com a tristeza da irmã, que pediu a ele que voltasse para junto de Araquém, velho e sozinho.

De tanto chorar, Iracema perdeu o leite para alimentar o filho. Foi à mata e deu de mamar a alguns cachorrinhos; eles lhe sugaram o peito e dele arrancaram o leite copioso para voltar a amamentar. A criança estava se nutrindo, mas a mãe perdera o apetite e as forças, por causa da tristeza.

No caminho de volta, findo o combate, Martim, ao lado de Poti, vinha apreensivo: como estaria Iracema? E o filho? Lá estava ela, à porta da cabana, no limite extremo da debilidade. Ela só teve forças para erguer o filho e apresentá-lo ao pai. Em seguida, desfaleceu e não mais se levantou da rede.

Morre Iracema. Suas últimas palavras foram o pedido ao marido de que a enterrasse ao pé do coqueiro de que ela gostava tanto. O sofrimento de Martim foi enorme, principalmente porque seu grande amor pela esposa retornara revigorado pela paternidade. O lugar onde se enterrou Iracema veio a se chamar Ceará.

Martim retornou para sua terra, Portugal, levando o filho. Não consegue permanecer lá. Quatro anos depois, eles voltaram para o Ceará, onde Martim implantou a fé cristã. Poti se tornou cristão e continuou fiel amigo de Martim. Os dois ajudaram o comandante Jerônimo de Albuquerque a vencer os tupinambás e a expulsar o branco tapuia. De vez em quando, Martim revia o local onde fora tão feliz e se doía de saudade. A jandaia permanecia cantando no coqueiro, ao pé do qual Iracema fora enterrada. Mas a ave não repetia mais o nome de Iracema. "Tudo passa sobre a terra."